sábado, 21 de maio de 2016

A Lenda dos Merovíngios (Parte 05)

Sangue Real

Embora a cultura merovíngia fosse ponderada e surpreendentemente moderna, os monarcas que a presidiam eram já outro assunto. Não eram típicos nem mesmo dos governantes de seu tempo, pela atmosfera de mistério e lenda, mágica e sobrenatural, que os rodeava em vida. Os costumes e a economia do mundo merovíngio não diferiam marcantemente de outros do período, mas a aura sobre o trono e a linhagem real era bem peculiar.
Os filhos de sangue merovíngio não eram reis fabricados. Ao contrário, logo aos doze anos de idade eram considerados como tal.
Não havia cerimônia pública de unção, ou de coroação. O poder era simplesmente assumido, como se por direito sagrado. Mas enquanto o rei era autoridade suprema no reino, ele não era jamais obrigado – ou mesmo não se esperava dele que o fizesse - a manchar suas mãos com o ato mundano de governar. Ele era essencialmente uma figura ritualizada, um rei-sacerdote, e seu papel não era o defazer alguma coisa, mas de simplesmente ser. Em suma, o rei mandava, mas não governava. A este respeito, sua condição era de algum modo similar à da atual família real britânica. Governo e administração eram deixados para um oficial não real, equivalente a um chanceler. De modo geral, a estrutura do regime merovíngio tinha muitas coisas em comum com as monarquias constitucionais modernas.
Mesmo após sua conversão ao cristianismo, os governantes merovíngios se mantiveram polígamos, assim como os patriarcas do Velho Testamento. Ocasionalmente, possuíam haréns de proporções orientais. Mesmo quando a aristocracia, sob pressão da Igreja, tornou-se rigorosamente monogâmica, a monarquia permaneceu isenta. E a Igreja, curiosamente, parece ter aceito essa prerrogativa sem qualquer protesto. Segundo um comentarista:

Por que era ela [a poligamia] tacitamente aprovada pelos próprios francos? Nós podemos aqui estar em presença de um hábito antigo de poligamia em uma família real - uma família de tal nível que seu sangue não poderia ser enobrecido por nenhuma combinação, por mais vantajosa que fosse, nem degradado pelo sangue de escravos.
(...) Era indiferente se uma rainha fosse tirada de uma dinastia real ou do meio de cortesãs. (...) A fortuna da dinastia permanecia em seu sangue e era compartilhada por todos os que fossem daquele sangue.

E novamente: "É possível que, nos merovíngios, possamos ter uma dinastia de heerkönige alemães, derivada de uma antiga família de reis do período da migração." Quantas famílias podem ter gozado, em toda a história mundial, de tal condição exaltada e extraordinária?
Por que os merovíngios? Por que seu sangue estaria investido de tão imenso poder? Estas perguntas continuavam a nos intrigar.

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