sábado, 21 de maio de 2016

A Lenda dos Merovíngios (Parte 01)

A Lenda e os Merovíngios

Encontramos vários enigmas em torno da origem da dinastia merovíngia. Uma dinastia é usualmente considerada uma família ou uma casa que governa, em virtude de haver deslocado, deposto ou suplantado seus predecessores. Em outras palavras, pensa-se que uma dinastia começa com algum tipo de golpe de Estado, que freqüentemente inclui a extinção da linha reinante anterior. Na Inglaterra, a Guerra das Rosas, por exemplo, marcou a mudança de uma dinastia. Mais ou menos um século depois, os Stuart tomaram o trono inglês quando os Tudor foram extintos. E os próprios Stuart foram depostos pelas casas de Orange e de Hanover.
No caso dos merovíngios, contudo, não houve tal transição violenta ou abrupta, nem usurpação, nem deslocamento, nem extinção de um regime anterior. Pelo contrário, a casa que veio a ser chamada merovíngia parece ter reinado já sobre os francos. Os merovíngios eram considerados reis de direito. Mas parece haver existido algo de especial sobre eles, tanto que conferiram seu nome à dinastia inteira.
O governante de quem os merovíngios derivaram seu nome é muito obscuro, sua realidade histórica tendo sido eclipsada pela lenda.
Mérovée (Merovech ou Meroveus) foi uma figura semi-sobrenatural, digna do mito clássico. Até mesmo seu nome testemunha origem e caráter miraculosos: evoca a palavra francesa para "mãe", bem como as palavras em francês e em latim para "mar".
Tanto os principais cronistas francos quanto a tradição subsequente contam que Mérovée nasceu de dois pais. Quando já estava grávida de seu marido, o rei Clodio, a mãe de Mérovée teria ido nadar no oceano. Na água, ela teria sido seduzida e/ ou violada por uma criatura marinha não identificada, de além-mar - bestea Neptuni Quinotauri similis, "uma besta de Netuno semelhante a um Quinotauro", o que quer que fosse Quinotauro -, que teria engravidado a dama uma segunda vez. E quando Mérovée nasceu, supostamente corria em suas veias um amálgama de dois sangues diferentes, o sangue de um governante franco e o de uma misteriosa criatura aquática.
Tais lendas fantásticas são bastante comuns, é claro, não somente no mundo antigo, mas também na posterior tradição européia. Em geral, não são inteiramente imaginárias, mas simbólicas ou alegóricas, mascarando algum fato histórico concreto por trás de sua fachada fabulosa. No caso de Mérovée, a fachada poderia bem indicar algum tipo de intercruzamento - uma genealogia transmitida através da mãe, como no judaísmo, por exemplo, ou uma mistura de linhas dinásticas, na qual os francos se tornassem aliados de alguém por sangue, possivelmente com uma fonte "de além-mar", Uma fonte que, por uma ou outra razão, foi transformada pela fábula em uma criatura do mar, Em todo caso, em virtude de seu duplo sangue, Mérovée era considerado possuidor de uma série de poderes sobre-humanos. E qualquer que seja a atualidade histórica por trás da lenda, a dinastia merovíngia continuou a ser envolvida numa aura sobrenatural de magia e bruxaria. Segundo a tradição, os monarcas merovíngios eram adeptos do oculto, iniciados em ciências arcaicas, praticantes de artes esotéricas, rivais dignos de Merlin, seu fabuloso quase contemporâneo.
Eles eram freqüentemente chamados de "reis bruxos", ou "reis taumaturgos". Em virtude de alguma propriedade miraculosa de seu sangue, seriam capazes de curar com as mãos; e segundo uma narrativa, as franjas dos pingentes de suas roupas teriam poderes curativos milagrosos. Eles seriam capazes de clarividência ou comunicação telepática com animais e com o mundo natural ao seu redor, e de utilizar um poderoso colar mágico.
Possuiriam um amuleto arcaico que lhes protegia e garantia fenomenal longevidade - o que a história, incidentalmente, não parece confirmar. Todos eles possuíam supostamente um sinal congênito, que os tornava imediatamente identificáveis e atestava seu sangue semidivino, ou sagrado. Este sinal congênito tomaria a forma de uma cruz vermelha - uma curiosa antecipação do brasão dos templários - sobre o coração ou entre as omoplatas.
Os merovíngios eram também freqüentemente chamados "reis de cabelos longos". Seus cabelos, como os de Sansão, conteriam sua vertu, a essência e o segredo de seu poder. Quaisquer que sejam as bases para esta crença no poder dos cabelos dos merovíngios, ela parece ter sido levada bastante a sério até 754 d.C. Nesse ano, quando Childeric III foi deposto e preso, seu cabelo foi ritualmente tosado por ordem expressa do papa.
Embora sejam extravagantes, as lendas formadas em torno dos merovíngios parecem repousar sobre alguma base, alguma condição gozada pelos monarcas dessa linhagem durante toda a sua vida. De fato, eles não eram considerados reis no sentido moderno da palavra.
Eram tidos como reis-sacerdotes, como incorporações do divino, nisso não diferindo, digamos, dos antigos faraós egípcios. Não reinavam simplesmente por graça divina. Pelo contrário, eram aparentemente imbuídos da incorporação e encarnação da graça de Deus, uma condição em geral reservada exclusivamente a Jesus. E parecem terse engajado em práticas rituais que lembravam mais um sacerdócio do que um reinado. Crânios de monarcas merovíngios encontrados, por exemplo, revelam o que parece ser uma incisão ritual ou buraco na cabeça. Incisões similares podem ser encontradas nos crânios de altos sacerdotes do antigo budismo tibetano - para permitir à alma escapar da morte e estabelecer contato direto com o divino. Existem razões para supor que o tosamento clerical seja um resíduo dessa prática.
Em 1653, uma importante tumba merovíngia foi encontrada nas Ardenas, a tumba do rei Childeric I, filho de Mérovée e pai de Clóvis, o mais famoso e influente de todos os governantes merovíngios. Como seria de se esperar, a tumba continha armas, tesouro e regalias, mas continha itens mais característicos de magia, bruxaria e adivinhação do que de reinado: uma cabeça de cavalo cortada, uma cabeça de touro feita de ouro e uma bola de cristal.
Um dos símbolos mais sagrados dos merovíngios era a abelha; e a tumba do rei Childeric continha nada menos que trezentas miniaturas de abelhas feitas de ouro maciço. Juntamente com outros materiais da tumba, essas abelhas foram confiadas a Leopold Wilhelm Von Habsburgo, irmão do imperador Ferdinando III e, na época, governante militar da Holanda Austríaca. Finalmente, a maior parte do tesouro de Childeric retornou à França. Quando foi coroado imperador, em 1804, Napoleão fez questão de ter abelhas douradas afixadas em suas roupas.
Não foi a única manifestação do interesse de Napoleão pelos merovíngios. Para determinar se a linhagem merovíngia tinha sobrevivido à queda da dinastia, ele encomendou a um certo abade Pichon uma compilação de genealogias que, em grande parte, serviram de base para as genealogias dos Documentos do Monastério.

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