quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Manuscrito Sagrado dos Malakins (parte 03)

No princípio não havia nada, apenas o caos, e quem o governava era Tehom, a suprema força da escuridão e das trevas. O espírito de Deus, Yahweh, pairava sobre a face do abismo, reunindo em si tudo o que era justo, o que era bom, o que era certo e luminoso.
Naqueles dias, anteriores mesmo ao contínuo do tempo, claridade e negrume se enfrentaram nos obscuros cantos das fossas primevas. Tehom tinha a seu lado uma miríade de seres disformes, dentre os quais Behemot era o mais elevado.
Yahweh concebeu a seu modo os cinco arcanjos, e eram eles Miguel (O Príncipe dos Anjos), Gabriel (O Mestre do Fogo), Rafael (A Cura de Deus), Uziel (O Marechal Dourado), Lúcifer (A Estrela da Manhã). Munidos de espadas brilhantes, esses alados combateram a espreita do pai e, após incontáveis duelos, baniram seus oponentes do universo comum. E houve, enfim, um primeiro dia.
No amanhecer do segundo dia, Deus fez a luz e, ao entardecer, esculpiu um sem-números de entes divinos, os anjos, para ajudá-lo na feitura do espaço. O primeiro anjo foi Metraton. Forjado no núcleo escaldante da grande explosão, ele serviu de molde para os celestiais que nasceriam a seguir.
Inspirado em Metraton, Yahweh organizou os celestes em sete castas, cada qual dotada de poderes místicos e de uma natureza específica, diretamente associados a suas tarefas na criação. Surgiram assim anjos guerreiros, burocratas, juízes, anjos da guarda e toda sorte de entidades servindo sob as ordens do céu.
No terceiro dia, Deus e seus sectários deram forma as estrelas, as constelações e nebulosas, e no quarto dia aos planetas, estéreis e cinzentos, até que o universo pariu seu maior santuário: um astro repleto de cor e de vida, batizado, no primórdios, de Éden.
O Éden, ou Terra, era um mundo diferente dos outros, onde todas as coisas estavam ligadas, cada rio, cada floresta, cada sopro do vento, cada gota no oceano, como uma teia que a todos cercavam e unia. Brotaram da água seres, os mais diversos, anfíbios e peixes, moluscos e répteis, e houve, com isso, um quinto dia.
No sexto dia, a seleção natural refinou as espécies, tonando-as espertas e inteligentes. Uma delas se espalhou pelo globo, dando origem ao homem, considerado por Deus seu trabalho mais primoroso.
Cansado e ao mesmo tempo fascinado, Yahweh presenteou os seres humanos com uma fagulha de sua essência imortal, a alma, e ordenou aos alados que se curvassem a eles, lhes servissem e os adorassem.
Então, antes de partir para o eterno descanso, entregou aos arcanjos a regência do céu e designou um coro para governar sobre a terra, com o encargo de orientar os mortais, sem, contudo, interferir em suas ações.
Como autênticos defensores da humanidade, esses observadores solenes foram chamados de sentinelas, e seu líder, Metatron, nomeado Rei dos Homens sobre a Terra.
Sem a tutela de Deus, porém, a paz não se sustentaria por muito tempo. No raiar do sétimo dia, um dos arcanjos, Lúcifer, recusou-se a venerar os terrenos, sendo ele uma criatura de luz, um dos herdeiros direto do cosmo.
Secretamente, Lúcifer manipulou seu irmão Miguel, que planejou um genocídio, mas para que a catástrofe, para que qualquer catástrofe tivesse efeito seria preciso, antes, desafiar os sentinelas, responsáveis por salvaguardar o planeta.
Lúcifer empregou várias artimanhas para que Metraton perdesse a fé, e, quando todas elas falharam, o arcanjo Gabriel em pessoa foi mandado ao plano físico com a incumbência de convencer o Rei dos Homens a retornar as alturas, mas este se negou, afinal sua missão fora outorgada por Deus.
No curso desses primeiros séculos, Metraton e seus anjos sucumbiram aos desejos carnais, cultivando esposos e esposas, gerando filhos e filhas, e jamais rejeitariam seus lares nem permitiriam que alguém os tomasse.
Ao repudiar a hecatombe, os sentinelas foram caçados, o que os obrigou a se esconder e a fugir. Muitos acabaram mortos, até Metraton ser finalmente preso e arrastado a detenção no Segundo Céu, a Gehenna. Seus postos nas sociedades primitivas foram ocupados pelos elohins, agentes leais ao príncipe Miguel, e a seguir vieram os cataclismos, a grande erupção dos vulcões, os terremotos e por fim o dilúvio, que reduziu ainda mais o seu número.
Depois disso, não só o reino físico, mas também o paraíso se transformaram. Os arcanjos eram como os cinco dedos de uma mão, e Metraton, seu antagonista, era o punho que os mantinha coesos. Com o Rei dos Homens capturado e sua revolta esmagada, a união dos primogênitos ruiu.
Primeiro foi Lúcifer, que por inveja e ganância se opôs aos irmãos e acabou atirado ao inferno. Séculos mais tarde, Gabriel, exausto de tanto sangue e matança, rebelar-se-ia contra o tirânico Miguel, dando início a guerra civil que hoje se alastra pelas sete camadas celestes.
Incapaz de aceitar os parentes brigando, Rafael, a Cura de Deus, preferiu abandonar a família e se isolar em alguma dimensão paralela. De modo que não fosse visto, ou tratado como mártir, Metraton foi poupado da execução e esquecido no cárcere por anos, para de lá escapar, agora que o Apocalipse se anuncia.
Dos calabouços da Gehenna surgiu o boato de que, enlouquecido, ele traçou o plano em silêncio, descobrindo um jeito de retomar seu santuário perdido, tornando-se não apenas o salvador da raça humana, mas o único deus soberano sobre o mundo.
Antes da grande batalha do Armagedon, antes que o sétimo dia encontre seu fim, os antigos aliados, Miguel e Gabriel, atuais adversários, deparam-se com uma nova e perigosa ameaça, uma que já consideravam vencida: a eterna luta entre o sagrado e o profano, entre os arcanjos e os sentinelas, que novamente, e pela última vez, se baterão pelo domínio da terra, agora e para sempre.

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