Houve um tempo, muito anterior ao surgimento do homem, em que os anjos governavam a terra. Onipotentes e absolutos, eles voavam livres no céu primitivo, sobrevoavam os mares, esquadrinhavam o solo, executavam danças espiraladas em volta do sol, fertilizavam o trabalho de Deus. Começou então o sétimo dia, e com ele o alvorecer da espécie terrena. Preservada da influência celeste, a nova raça se consagrou como entidades únicas, inteligentes, e passou a governar o planeta, primeiro, a partir da escuridão das cavernas, depois em fortalezas de mármore e granito, para enfim tocar o céu em espigões de aço e concreto.
Embora inflados de amor e paixão, dos corações humanos germinavam também ódio e ganância. Os massacres começaram logo nas primeiras migrações, com as tribos nômades devastando aldeias rivais, roubando suas terras, pilhando seus cofres. Essa selvageria desagradou os arcanjos, os regentes supremos do universo, que decidiram acabar com os mortais, esterilizando lagos e rios, destruindo cidades e portos.
Havia, porém, alguns que depositavam esperanças nos homens, entre eles estava Gabriel, o Mestre do Fogo, que recursou a obedecer as ordens homicidas de seu irmão, o arcanjo Miguel, dando início a guerra civil, um confronto que se alastrou pelas sete camadas do paraíso e secionou duas facções de alados: os novos rebeldes, que lutavam em defesa da palavra de Deus, e os legalistas, unos pelo desejo de exterminar os terrenos.
Quando essa mesma guerra se agravou, tanto Gabriel, o comandante dos revoltosos, quanto Miguel, seu tirânico parente, determinaram o Haniah, o Retorno, convocando todos os anjos que estavam no plano físico para lutar as pelejas no céu, e assim a terra foi esvaziada.
Alguns poucos foram autorizados a ficar, assumindo a posição de observadores, garantindo a manutenção da trégua estabelecida no mundo dos homens. Desde então, esses desgarrados, ou apenas "exilados", como conhecidos vagam solitários de país em país. Disfarçados de pessoas comuns, eles presenciaram o fim do período gótico e a queda de Constantinopla; assistiram a expansão do Islã, as grandes navegações e as revoluções da Europa; testemunharam a colonização nas nações africanas e a extinção dos imperadores e reis.
Quando o século XX raiou no teatro da história, o tecido da realidade, a barreira mística que separa os reinos físicos e espiritual, adensou-se. Os novos meios de comunicação e transporte levaram o progresso aos cantos mais distantes do globo, pervertendo os nódulos mágicos, apagando o poder dos velhos santuários, revertendo os últimos vértices, afastando os mortais da natureza divina.
Isolados no Sexto Céu, incapazes de enxergar o planeta justamente pelo adensamento do tecido, a casta dos Malakins, cuja função é estudar os movimentos do cosmo, solicitou ao príncipe Miguel a criação de uma brigada que descesse a Terra para pesquisar o avanço dos tempo. Relutante em abrir mão de seus capitães, ele ofereceu o serviço dos exilados, que havia milênios atuavam na sociedade terrestre, alheios as batalhas do paraíso.
Destacados, então, para servir sob as ordens dos Malakins, esses exilados foram removidos de seus cargos originais e reorganizados sob a forma de um esquadrão de combate. Sua tarefa, a partir de agora, seria participar de guerras humanas, de todas as guerras, fantasiados de meros soldados, para anotar as façanhas militares, o comportamento das tropas e depois relatá-los aos seus superiores celestes.
Esse esquadrão tomou parte em todos os conflitos do século XX, das pútridas trincheiras de Verdun as praias da Normandia, das selvas da Indochina a decadência da União Soviética. Embora muitos não desejassem matar, era exatamente isso que lhes foi ordenado, e o que infelizmente acabaram fazendo.
Entre os outros querubins, esse grupo foi visto como uma turba de genocidas, lutadores desonrados, cheios de vícios carnais. Por sua natureza errante e até certo ponto obscura, eles nunca chegaram a ter um nome oficial, a não ser pela óbvia alcunha que os caracterizava.
Foram chamados de Anjos da Morte.
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