Sabendo disso, um serafim que flutuava pela região avistou o matagal, desceu em rasante, trespassou um dos sete portões e se apresentou ao anfitrião, logo na entrada.
O nome desse serafim era Samael, conhecido por ser imediato de Lúcifer, então um dos cinco regentes do cosmo. Insidioso como seu mestre, Samael se mostrou, no jardim, conforme era avistado no céu: seu corpo surgiu delgado e moreno, untado por algum tipo de óleo balsâmico. Os cabelos pretos estavam penteados para trás e exalavam um perfume agridoce. O nariz era agudo, os olhos, castanhos, e o tosto terminava em um cavanhaque pontudo. De tronco nu, trajava uma saia comprida, bordada com fios de ouro, e as asas, esguias e delicadas, pareciam cobertas pelo mesmo metal, formando um conjunto reluzente, meio claro, meio bronzeado.
Salve, Metraton -- ele começou num tom diplomático que soava postiço. Salve, Primeiro Anjo, Rei dos Homens sobre a Terra, líder e comandante dos sentinelas. Estaria eu perturbando o trabalho de sua majestade suprema?
Metraton retribuiu o olhar, circunspecto. Nutria respeito pelos arcanjos em geral, sobretudo pelo príncipe deles, Miguel, mas nunca confiara realmente em Lúcifer, a quem considerava o mais ardiloso dos primogênitos, e Samael tinha a mesma personalidade de seu amo, o que o tornava assaz e perigoso.
Metraton então falou a Samael (quando este chegava aos portões do Jardim do Éden: -- Salve, Samael. Que assuntos o trazem ao Éden?
''É uma beleza o que diante de mim se revela. Um oásis nos confins do horizonte deserto -- ele se desviou da pergunta, fitando a copa das árvores. -- O primeiro casal o idolatra como a um deus (isso é Metraton); eles o enxergam como o único e verdadeiro senhor do universo -- provocu Samael, sempre educado, fazendo parecer um elogio. -- É fabuloso o seu ministério, ó Rei dos Homens, uma alegria para os entes divinos. Yahweh ficaria encantado.
Farto da ladainha, Metraton deu um passo a frente e desafiou o forasteiro. Os dois eram a imagem do céu e da terra. De um lado pairava o sentinela, rústico na aparência, a barba crespa, o tronco forte, os cabelos desgrenhados, as mãos calejadas. De outro, confrontava-o o serafim de penas douradas, a silhueta longilínea, as costas eretas, as unhas polidas, os dedos magros.
Por que não me diz -- insistiu Metraton, e as palavras ficaram mais duras -- que assuntos o trazem ao Éden? Samael respondeu: Oh, não queria ofender. Ele recuou uns dois metros e abriu os braços em sinal de humildade. -- Sou um amigo e venho com a intenção de ajudar. -- Tornou a olhar para cima, para a lua que nascia ao leste. -- Fiquei pensando há quanto tempo o poderoso monarca está aqui concentrado. Centenas, milhares de anos? Pois saiba que, lá fora, a civilização ganha força. Por todas as quinas da terra surgem novas culturas, novas sociedades que se multiplicam e prosperam.
Eu sei. Metraton franziu o sobrolho. Não pense que estou alheio ao que transcorre no mundo. Ah, mas de uma coisa sua graça não sabe. Samael enrijeceu o indicador. Nem todos os sentinelas realizaram proezas tão belas. Para além destes muros, tribos estão em guerra, clãs e aldeias entraram em confronto. Em vários pontos do Éden (terra), começaram pilhagens, batalhas e carnificinas, incitando sentimentos maléficos no coração dos terrestres.
Sei disso também. Metraton respondeu. Eis o motivo pelo qual ainda mantenho meus filhos enclausurados, longe da corrupção que por todos os lados se prolifera. Mas até quando? -- exclamou o anjo dourado. -- Sim, meu companheiro alado, um alerta é o que vim hoje fazer. Por maior que seja o esforço, não há como preservar o casal. Logo eles vão querer sair, vão desejar a liberdade.
Não há liberdade maior do que a vida no interior destas cercas. O Rei dos Homens encerrou o assunto declarando sua fé nos comparsas: Em breve, os demais sentinelas completarão suas demandas, e teremos paz novamente. Como se pudesse ler o serafim por inteiro, como se enxergasse suas reais intenções disse: Contanto, claro, que ninguém os estorve, que ninguém os atrapalhe. Quem assim o tentar será considerado meu inimigo.
Rogo para que se cumpra tal prognóstico, ó generoso senhor do canteiro. Samael ofereceu um largo sorriso, cheio de dentes. Que reine a paz no final. Encerrado o debate, Samael se desmaterializou e na condição de espírito atravessou os portões.
Metraton ficou a meditar sobre o que ele pretendia, sobre o que Lúcifer pretendia. E a partir daquele momento, só por precaução, trancou as setes portas, determinando que, a exceção dele, nenhum alado poderia adentrar o jardim. Se um anjo cruzasse as fronteiras, ele saberia. Com certeza saberia.
Metraton então falou a Samael (quando este chegava aos portões do Jardim do Éden: -- Salve, Samael. Que assuntos o trazem ao Éden?
''É uma beleza o que diante de mim se revela. Um oásis nos confins do horizonte deserto -- ele se desviou da pergunta, fitando a copa das árvores. -- O primeiro casal o idolatra como a um deus (isso é Metraton); eles o enxergam como o único e verdadeiro senhor do universo -- provocu Samael, sempre educado, fazendo parecer um elogio. -- É fabuloso o seu ministério, ó Rei dos Homens, uma alegria para os entes divinos. Yahweh ficaria encantado.
Farto da ladainha, Metraton deu um passo a frente e desafiou o forasteiro. Os dois eram a imagem do céu e da terra. De um lado pairava o sentinela, rústico na aparência, a barba crespa, o tronco forte, os cabelos desgrenhados, as mãos calejadas. De outro, confrontava-o o serafim de penas douradas, a silhueta longilínea, as costas eretas, as unhas polidas, os dedos magros.
Por que não me diz -- insistiu Metraton, e as palavras ficaram mais duras -- que assuntos o trazem ao Éden? Samael respondeu: Oh, não queria ofender. Ele recuou uns dois metros e abriu os braços em sinal de humildade. -- Sou um amigo e venho com a intenção de ajudar. -- Tornou a olhar para cima, para a lua que nascia ao leste. -- Fiquei pensando há quanto tempo o poderoso monarca está aqui concentrado. Centenas, milhares de anos? Pois saiba que, lá fora, a civilização ganha força. Por todas as quinas da terra surgem novas culturas, novas sociedades que se multiplicam e prosperam.
Eu sei. Metraton franziu o sobrolho. Não pense que estou alheio ao que transcorre no mundo. Ah, mas de uma coisa sua graça não sabe. Samael enrijeceu o indicador. Nem todos os sentinelas realizaram proezas tão belas. Para além destes muros, tribos estão em guerra, clãs e aldeias entraram em confronto. Em vários pontos do Éden (terra), começaram pilhagens, batalhas e carnificinas, incitando sentimentos maléficos no coração dos terrestres.
Sei disso também. Metraton respondeu. Eis o motivo pelo qual ainda mantenho meus filhos enclausurados, longe da corrupção que por todos os lados se prolifera. Mas até quando? -- exclamou o anjo dourado. -- Sim, meu companheiro alado, um alerta é o que vim hoje fazer. Por maior que seja o esforço, não há como preservar o casal. Logo eles vão querer sair, vão desejar a liberdade.
Não há liberdade maior do que a vida no interior destas cercas. O Rei dos Homens encerrou o assunto declarando sua fé nos comparsas: Em breve, os demais sentinelas completarão suas demandas, e teremos paz novamente. Como se pudesse ler o serafim por inteiro, como se enxergasse suas reais intenções disse: Contanto, claro, que ninguém os estorve, que ninguém os atrapalhe. Quem assim o tentar será considerado meu inimigo.
Rogo para que se cumpra tal prognóstico, ó generoso senhor do canteiro. Samael ofereceu um largo sorriso, cheio de dentes. Que reine a paz no final. Encerrado o debate, Samael se desmaterializou e na condição de espírito atravessou os portões.
Metraton ficou a meditar sobre o que ele pretendia, sobre o que Lúcifer pretendia. E a partir daquele momento, só por precaução, trancou as setes portas, determinando que, a exceção dele, nenhum alado poderia adentrar o jardim. Se um anjo cruzasse as fronteiras, ele saberia. Com certeza saberia.